terça-feira, 7 de julho de 2009

Histórias de Mulheres

Semana passada terminei de revisar um livro muito bom. Chama-se Histórias de Mulheres, da escritora espanhola Rosa Montero. Para quem não a conhece, ela é colunista exclusiva do jornal El País e já publicou mais de vinte livros - o mais famoso já lançado no Brasil acho que é A filha do canibal. Já entrego um spoiler: a editora Agir vai lançar o seu novo romance lá para o ano que vem. A única coisa que posso dizer é que se trata de um livro excelente. Sugiro que passem a conhecê-la desde já.

Entre romances, livros infantis e perfis biográficos é neste último gênero que Histórias de Mulheres se encaixa. A autora traça o perfil de uma série de mulheres famosos, que, pela alegria ou pela tristeza, pela loucura ou pela sanidade, pela fama ou pelo desconhecimento, pela perturbação interior ou exterior, deixaram a sua marca na História.

Por muito tempo as mulheres foram consideradas alienadas ou bruxas por subverteram seu papel. Neste livro, Rosa Montero destaca histórias de algumas mulheres que enfrentaram todo o desgaste de uma sociedade machista e lutaram pela dignidade, pela liberdade e pelo reconhecimento. As mulheres do livro são: Agatha Christie, Mary Wollstonecraft (que ficou mais conhecida como a mãe de Mary Shelley, aquela do Frankenstein), Zenobia Camprubí, Simone de Beauvoir, Lady Ottoline Morrell, Alma Mahler, Maria Lejárraga, Laura Riding, George Sand, Isabelle Eberhardt, Frida Kahlo, Aurora e Hildegart Rodríguez, Margaret Mead, Camille Claudel, as irmãs Brontë e Irene de Constantinopla. Faço uma prévia das histórias de que mais gostei a seguir:

Agatha Christie - a dama do suspense sofreu nas mãos de um homem que não a amou e só queria saber de jogar golfe, mas que lhe deu sua única filha, Rosalind, e o sobrenome que a tornaria conhecida em todo o mundo. Morreu aos 80 e poucos anos, mas os biógrafos da escritora não a consideravam sã, apesar de ela ainda ler e comentar filósofos e linguistas famosos.

Frida Kahlo - a famosa pintora mexicana lutou pela vida, pelo amor e pelo amor que tinha pela vida. Infelizmente uma série de tragédias pessoais (aquela do bonde, em que um corrimão entrou por um flanco e saiu pela vagina, não foi a primeira), inclusive desilusões amorosas, marcou toda a sua vida profundamente. Se Frida não conseguiu viver muito, ao menos sua obra levou seu nome para a posteridade: as cores fortes, os autorretratos e a firmeza de caráter, apesar de seu aspecto frágil, fizeram com que ela ofuscasse a carreira já firmada de seu marido, o já consagrado pintor Diego Rivera.

Camille Claudel - poucas pessoas conhecem a escultora que lutou, justamente, por toda a sua vida pelo reconhecimento de seu talento. Seu maior erro, no entanto, foi ter-se tornado "pupila" e amante do aclamado Auguste Rodin (sim, aquele d'O Pensador), que sufocou-a financeira e intelectualmente. Os dez anos que passaram juntos foram os de maior criatividade de Rodin, claramente influenciado pelo estilo característico de Claudel. Infelizmente os críticos de arte só foram perceber o talento natural e puro de Camille anos após sua morte. A escultora amargou seus últimos trinta anos de vida aprisionada pela mãe e pela irmã num hospício nos arredores de Paris, sendo referida apenas como a amante de Rodin e a irmã de Paul Claudel, um famoso (nunca ouvi falar!) escritor.

Aurora e Hildegart Rodríguez - esta foi a primeira história que me chocou pela perversidade e a cegueira da mãe em realação ao filho. Dona Aurora sabia que uma mulher só poderia destacar-se na sociedade através de sua inteligência e conhecimento. Por isso, projetou esta vida em sua filha, Hildegart, que, aos 3 anos de idade, já lia e escrevia; aos 5, falava fluentemente mais de cinco línguas; e aos 14, participava de congregações da juventude socialista e redigia artigos para os jornais. Sua infância consistiu em estudar dia e noite e dona Aurora, rígida, não permitia que tivesse amigos ou se estendesse muito numa conversa. Em sua ânsia por liberdade, Hilde decidiu viajar à Inglaterra e, ao discutir a possibilidade com a mãe numa noite, na manhã seguinte dona Aurora matou a filha com quatro tiros. Ela tinha apenas 18 anos. O mais chocante foi a frase ditada pela mãe para se defender no tribunal, que descreveu seu ato como sublime, pois "fácil é trazer um filho ao mundo, mas difícil é tirá-lo". Louca varrida.

As irmãs Brontë - a mais conhecida das irmãs certamente foi Emily Brontë que escreveu um único romance mas considerado obra-prima da literatura universal: O morro dos ventos uivantes. Emily tinha ainda mais quatro irmãs (Maria, Elizabeth, Charlotte e Anne, sendo que as duas primeiras morreram ainda jovens e as duas outras toranaram-se escritoras como ela) e um irmão caçula, Branwell, o único a receber uma educação decente apenas pelo fato de ser do sexo masculino. Perdeu a mãe cedo, mas ao menos teve a sorte de ter um pai culto e liberal. Como viviam numa choupana distante, os irmãos se isolaram num mundo de fantasia e não faltou muito para se iniciarem no mundo dos livros. Charlotte, Emily e Anne tornaram-se orgulho para o pai e escritoras elogiadas, embora fossem conhecidas por pseudônimos masculinos. Charlotte Brontë foi a única que sobrou após a morte prematura das irmãs e escreveu muitos romances, dentre eles Jane Eyre.

Irene de Constantinopla - nenhum ato de violência é justificável. Contra um filho, pior ainda. Mas Irene tinha um motivo, digamos, "plausível": a sede de poder. Seu marido morreu (dizem, por envenenamento) e o trono ficou vago. Os cunhados de Irene tentaram tomar posse, já que o único herdeiro era ainda uma criança. Suas línguas foram cortadas e foram obrigados a virar monges. Conseguiu o apoio da Igreja contra aqueles que malviam uma mulher no trono. Depois de um tempo, Constantino, o filho, conseguiu destronar a mãe e trancafiou-a num palácio por dois anos. Seu erro foi soltá-la: ela retomou o poder e ordenou que os globos oculares de Constantino fossem retirados. Os cunhados tentaram novamente tomar o poder, tendo o mesmo destino que Constantino (ou seja, viraram monges, cegos e sem língua). O pior de tudo é que a Igreja Católica considera Irene de Constantinopla uma santa, apenas pelo fato de ela ter incentivado o culto às imagens dos santos. E olha que ela nem frequentava a igreja...

Embora o livro seja intitulado Histórias de Mulheres, Rosa Montero prova que as mulheres não conseguiram livrar-se da sombra de uma sociedade machista, independente de suas origens e de suas épocas. Ou seja, mesmo como protagonistas, elas não são capazes de serem desvinculadas dos homens de suas vidas - sejam eles pai (irmãs Brontë), marido (Agatha, Frida), amante (Camille) - ou por homens que ideologicamente não deveriam nem existir - como o filho herdeiro do trono de Irene e uma paixão impossível de Hildegart.

Se elas não foram devidamente reconhecidas em vida, os escritos e as pesquisas biográficos cumprem essa promessa: como se o registro as livrassem do esquecimento.

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