quinta-feira, 30 de abril de 2009

Um brinde à velhice!

Estou triste. Quem me conhece sabe que sempre tive um certo complexo com a idade. O problema já começa no ano: como sou de janeiro, faço aniversário antes de todo mundo o que já faz com que eu me sinta mais velha. O segundo problema é conviver com pessoas mais novas: amigos, namorados, colegas de faculdade então, nem se fala! No entanto, o terceiro e maior de todos os problemas mesmo é estar com quase 30 e não ter quase nada: estou para me formar ainda – tudo bem que existem várias razões (ou desculpas?) que justificam esse meu atraso escabroso – e, pior, não tenho um emprego fixo. Sempre pulei de estágio em estágio e, quando finalmente fui contratada, oito meses depois a empresa ficou sem dinheiro e lá voltei eu pro limbo de novo.

A questão é que agora fiquei sabendo que além de “velha”, digamos, socialmente, ano que vem começa o martírio da minha velhice mental. Uns cientistas dos Estados Unidos – possivelmente cinquentões –, mais especificamente da Universidade da Virgínia, fizeram uma pesquisa – possivelmente querendo vingar-se dos jovenzinhos que, aliás, eles já foram um dia – que enfiou a faca: a velhice começa aos 27.

Não é qualquer velhice, Você ainda tem o coração forte, o fígado meio castigado dependendo da sua vida social, mas o seu cérebro, ó, já começa a minguar. Segundo a revista Superinteressante, quando uma pessoa completa 30 anos, a sua cachola já sente uma sensível queda de desempenho. A função que vai embora em maior quantidade da sua cabeça é a inteligência espacial: 50% de queda. 50%!! É muita coisa! Eu nunca tive muita noção de desenho e muito menos de visualizar uma pirâmide dentro de um cubo nas aulas de geometria espacial no colégio, ou seja, já vou perder os 50% da capacidade que me restava.

Outra função que diz tchau pra você é o raciocínio lógico (37,5% de perda), outra coisa que também nunca tive bem claro na cabeça. “Se chover, Maria não vai à praia. Então, se ela não foi à praia é porque choveu”? Não sei, não conheço a Maria pra saber. :P

Depois você vai perder (ou já perdeu, sorry) 27,3% da velocidade mental e, por incrível que pareça, 17% da memória. Logo a memória, função que tem menor queda de desempenho, é a que recebe mais críticas de seus “usuários”. “Eu não lembro o que comi hoje no almoço”< “Eu esqueço onde guardo as minhas meias”, “Não sei quem você é”, “De onde eu te conheço?”, “Ih! Semana passada foi aniversário da minha sogra!”: tenho certeza de que muita gente, assim como eu – lógico, não fujo à regra –, já passou por situação semelhante. Por que a gente esquece tanta coisa?

É verdade que o cérebro é um contêiner sem fundo, ou seja, você pode inserir quantas informações quiser, elas sempre estarão lá. Você se “esquece” não porque elas se perderam naquela escuridão sombria, mas sim porque não as utiliza constantemente. Aquela fórmula da lei geral de Clapeyron que você aprendeu na 8ª série em química ainda está aí na sua cabeça, pode acreditar. Mas como não usa há muito tempo – e por que precisaria? rs –, você se esqueceu.

Outro motivo para esse esquecimento precoce é a enorme quantidade de informações que recebemos todos os dias: ler jornais, livros, revistas, ouvir ao rádio, fuxicar a internet, trabalhar e até mesmo receber ordens do chefe ou fazer comprar no supermercado enchem a sua cabeça numa velocidade incrível. Os jovens de hoje – e podem ser incluídos nesse grupo os “velhos” pós-27 anos – estão sempre se movimentando, já nascem conectados, a internet, de fato, aumentou drasticamente a velocidade e a quantidade de informações que entram na cachola. E é óbvio que, junto com um monte de coisa boa, entram também coisas ruins, como o estresse. Então, o lance é ficar ligado em tudo – não precisa se alienar, se isolar do mundo, porque o resultado será igual – e, ao mesmo tempo, saber equilibrar esse “tudo” para que seu cérebro não te carregue para um colapso.

Tá, mas por que tudo isso acontece? Acontece porque o auge da atividade cerebral se dá aos 22 anos e, a partir daí, as conexões entre os neurônios já começam a declinar. A escolaridade da vítima também influencia: foi comprovado que um cérebro com mais escolaridade compensa essa perda de neurônios enquanto os menos escolarizados ficam no preju. Quando digo “escolarizado” não é nem universitário, com pós-graduação e MBA não. Uma pessoa culta, que tem hábito de ler e se movimenta, se exercita, já está bem na fita. Em números: uma pessoa com um mínimo de cultura perde 10% dos neurônios enquanto a não-culta perde a mesma porcentagem que os velhinhos que sofrem de demência ou Alzheimer, 50%. Imagina o que é perder metade dos neurônios? O Tico vai embora e o Teco morre de tédio!

E por que a idade crucial é 27? Aí é que está o problema. O neurologista Paulo Henrique Bertolucci, entrevistado pela Superinteressante, diz que do ponto de vista evolutivo, por volta dessa idade você já deveria ter se reproduzido e, por isso, já estaria chegando a hora de se aposentar. “Afinal, o homem das cavernas não vivia muito mais que 30 anos. E seu cérebro é idêntico ao dele.”

Peraí. Homem das cavernas? Pô, como o cara quer comparar a Idade da Pedra com os dias de hoje? Depois de tudo que escrevi, não vou me dar o trabalho de listar as diferenças, me parecem um tanto óbvias. Os homens das cavernas só pensavam em caçar, comer e procriar. Eles não planejavam frequentar a universidade, construir uma carreira, não precisavam aprender inglês, francês, alemão e chinês para enfrentar o mercado de trabalho, ganhar dinheiro, achar um cara legal para ter filhos e garantir o futuro deles! Que ideia!

Há ainda uma luz no fim do túnel, pessoas-de-27-anos-ou-mais-solteiras-e-sem-filhos... Os cientistas descobriram que algumas habilidades continuam crescendo normalmente. Ler livros, aprender a tocar instrumentos, modificar o caminho para o trabalho e pegar sol para produzir vitamina D (que libera uma substância aí que não lembro mais o nome) são exemplos de exercícios para o cérebro. Mas não adianta fazer tudo isso e viver uma vida quadrada. Tem muita gente de 20 anos mais velha que os velhinhos de 70. Isso sim é velhice mental! São jovens burocráticos, sem iniciativa, acomodados. Vocês veem como os velhinhos de hoje são animados, bem dispostos, persistentes, aprendizes e nem parecem ter a idade que têm?

É esse pique que deve entrar na nossa cabeça. Por isso, mantenha a mente aberta. Abra sua cabeça em todos os sentidos – menos o literal, espero. Hehe

E antes que isso aqui vire um livro de autoajuda, quer saber a equação de Clapeyron? Pega lá o seu Feltre e descubra sozinho... hehehe

sábado, 25 de abril de 2009

O Islã passado a limpo

Os atentados às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 suscitaram em autores de várias partes do mundo a inspiração para escrever sobre aqueles que seriam os "inimigos" do Ocidente. A jornalista norueguesa Asne Seierstad foi uma das primeiras, ao relatar em O livreiro de Cabul o dia a dia de uma família muçulmana, seus hábitos, costumes e cultura. Publicou, na sequência, 101 dias em Bagdá, no qual relaciona os momentos que antecederam e sucederam a invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas. De carona, vieram Mulheres de Cabul, O salão de beleza de Cabul, Cabul no inverno, De costas para o mundo e Eu sou o livreiro de Cabul, que desmente supostas acusações de Seierstad, entre outros. Os best-sellers O caçador de pipas e A cidade do sol, ambos do iraniano radicado nos EUA Khaled Housseini, também entram na lista.

Muitos livros que debatem a religião islâmica partem da visão ocidental, etnocêntrica, considerando que todos os que vivem no Oriente Médio e crêem na religião profetizada por Maomé são os inimigos dos "países do Bem", ou seja, fazem parte do Eixo do Mal - expressão cunhada pelo ex-presidente George W. Bush para referir-se a todos os seus inimigos. É nesse aspecto que o jornalista e sociólogo Ali Kamel - diretor-executivo do Jornal Nacional, da TV Globo, e colunista do jornal O Globo - inova.

Em Sobre o Islã - A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo (Nova Fronteira, 296 págs., 2007), Kamel faz um apanhado espetacular acerca das três religiões monoteístas - o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo - para compará-las sem, no entanto, tomar partido de nenhuma delas. Com uma linguagem coloquial e bastante acessível - provavelmente para atingir os mais céticos e leigos -, Kamel, que publicou o também polêmico Não somos racistas em 2006, consegue com êxito instigar a curiosidade e a reflexão dos leitores acerca das questões tratadas.

Kamel, na verdade, percorre o caminho contrário da maioria dos autores: em vez de acusar e ocidentalizar o olhar, o jornalista abre mão do estudo antropológico, buscando apenas expor as afinidades das três religiões, e deixa que o próprio leitor interprete à sua maneira. Em algumas passagens do texto, Kamel chega até mesmo a desmentir trechos supostamente manipulados de outros autores, explicando a sua própria opinião e interpretação - mas sempre esclarecendo que esta ou aquela é a sua - sobre os versículos do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos.

Sobre o Islã divide-se em cinco partes didáticas. Na primeira, ele revê passagens da Bíblia, o livro dos cristãos; da Torá, dos judeus; e do Alcorão, dos muçulmanos, destacando citações de Adão a Maomé, considerado este o último profeta e fundador da religião islâmica. Na segunda parte, Kamel inicia a trajetória que os árabes percorreram até os dias de hoje, a partir da morte de Maomé e da divisão dos muçulmanos em sunitas e xiitas, duas etnias muito cultuadas pela mídia. Em seguida, expõe de modo quase defensivo as razões para se acreditar que o Islã não possui como fundamento a violência - salvo em revelações diretamente relacionadas a alguns momentos históricos, ou seja, que são invalidadas por Deus após os acontecimentos. A origem dos movimentos terroristas e de seus seguidores, como Osama Bin laden, autor intelectual dos atentados às Torres, é explanada na quarta parte do livro. Questões como o fundamentalismo, o fanatismo, o suicídio e tantos outros atos considerados por nós, ocidentais, exóticos e insanos são exaustivamente debatidos. Nessas ocasiões, Kamel coloca sua interpretação acima do assunto. O que poderia tornar-se um ato infeliz - impor sua opinião e manipular a cabeça dos leitores - o jornalista tem a acuidade de informar ao público que o Alcorão é passível de diversas explicações.

É de certa forma correto apontar que a mídia e as sociedade ocidentalizadas transformaram a figura de Osama Bin laden em um ícone do extremismo islâmico e é isso que Kamel tenta explicar em seu livro. Por outro lado, os ataques terroristas, guerras por território e ameaças à paz da Humanidade reduziram a religião e o povo islâmico - assim como a religião e o povo judaico - a meros estereótipos. Em muitos países, cuja religião oficial é a muçulmana, as mulheres, por exemplo, vestem roupas ocidentais, optam por usar ou não o xador (o manto que lhe cobre os cabelos), divorciam-se e não seguem estritamente o Alcorão. O apedrejamento e a violência contra elas tão divulgada pela imprensa só acontece nos países em que o fundamentalismo está no poder. O jornalista tenta, assim, insistentemente, desconstruir a visão que se tem do Alcorão como um manual de práticas terroristas.

Com toda a História do Islamismo já decifrada e repensada, o autor não teria outro caminho senão falar de atos recentes, como a Guerra do Iraque. No entanto, em vez de dar interpretações e supostas respostas, Kamel deixa dúvidas a serem decifradas e repensadas pelos leitores. A vida pessoal do autor - filho de um sírio muçulmano com uma baiana católica e casado com uma judia - contribui para a construção de um ponto de vista mais abrangente, atitude que os outros ocidentais devem tomar para compreender: enxergar além de seus umbigos.

Enquanto a missão do povo muçulmano é difundir a religião sem o uso da força - coisa que não vem acontecendo com muito sucesso -, como está previsto no Alcorão, a missão deste jornalista de 47 anos em Sobre o Islã foi muito bem cumprida.