quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Feliz ano-novo

O que eu mais detesto nas datas festivas de fim de ano é o tradicionalismo medonho e a monotonia que se abate na sociedade em geral - além da proximidade do meu aniversário e, pior!, do Carnaval. Para qualquer lado que você olhe, ouve musiquinhas natalinas irritantes, vê pessoas se esfregando pela rua à procura de presentes cada vez mais baratos, shoppings lotados de retardatários, reportagens nada originais na TV...

É nessa monotonia que Rubem Fonseca ambienta o primeiro conto do livro Feliz ano novo. É no abismo social entre a classe burguesa e a marginalizada, entre a necessidade e a futilidade, entre a perspectiva de um réveillon feliz e farto, que o meu atual escritor brasileiro favorito faz um relato - por que não? - divertido e realista da própria natureza humana. No primeiro conto, homônimo, ele narra os planos de três assaltantes mortos de fome, que precisam catar comida de macumba para ter o que comer, para assaltar a mansão de "granfas". É a violência descrita como um meio de expressão, um grito de socorro. Na última história, "Intestino grosso", o autor descreve uma entrevista pingue-pongue, na qual o entrevistado parece ser ele mesmo. As perguntas e as respostas parecem ter sido uma compilação das entrevistas que Fonseca possivelmente concedeu ao longo de sua carreira. Sexo, pornografia, psicologia, erotismo, linguagem e literatura são alguns assuntos tratados no conto, ou seja, temas que permeiam a sua obra. São os dois contos que mais valem a pena ser lidos no livro lançado em outubro de 1975, que teve sua circulação e publicação proibidas em todo o território nacional pelo Departamento de Polícia Federal, sob a alegação de "exteriorizar matéria contrária à moral e aos bons costumes".

Das mesmas acusações sofreu Nelson Rodrigues, vinte anos antes, ao chocar a leitura do leitor mais conservador com os pecados e as tragédias da classe média carioca de então. Rubem Fonseca, assim como o jornalista precursor, surpreende ao narrar depravações, putarias, cenas de sexo explícito e assassinatos sem motivo. Para o senador Dinarte Mariz, em declaração publicada na Folha de S.Paulo de 1977, suspender Feliz ano novo foi pouco. "Quem escreveu aquilo deveria estar na cadeia e quem lhe deu guarida também. Bastaram meia dúzia de palavras. É uma coisa tão baixa que o público nem devia tomar conhecimento."

Para a cabeça dos conservadores, pode até ser. Mas para os liberais de hoje, e até mesmo para os daquela época, Feliz ano novo não é motivo para tanto estardalhaço. Excetuando-se alguns poucos textos, quem conhece o autor vai perceber que os protagonistas são crus demais, não ousam tanto e que o autor se mostra até muito bonzinho para o seu padrão. Por isso, destaco apenas os contos já supracitados, além das duas partes de "Passeio noturno", em que ele mostra seu sangue-frio perverso. A violência, o melhor recurso da obra de Rubem Fonseca tão presente em Feliz ano novo, é a tradução para a ficção da realidade que vemos todo dia na TV, do tradicionalismo e da monotonia em que a nossa tragédia coletiva e particular se insere.

Como relata Zuenir Ventura para a revista Visão, de 1975, "o que inquieta no livro é que esse mundo marginal distante se vai aos poucos revelando como nosso próprio mundo, onde os desvios são cada vez mais a norma".


***
No décimo-quarto dia do ano (beeeem atrasada - eu estava trabalhando, gente!), venho aqui desejar um feliz ano-novo a vocês por aí que perdem de vez em quando (quase nunca) alguns minutos do dia pra ler meu blogzinho. hehe