quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Viagem de kombi (1)

Foi mais engraçado assistindo do que eu contando aqui.
Peguei a kombi pra Ribeira. Entrou uma mulher logo depois que, visivelmente, não batia bem da cabeça.

"Você vai pra Ribeira, né?", disse ela, perguntando pro motorista.
"Vamos sim, senhora."
"Você sabe onde fica a rua Lourenço da Veiga?"
"É na Ribeira? Então, entra aí que nós acha."
"Você vai me dizer quando saltar, né?"
"A senhora não tem nenhuma referência?"
"Você acha que eu tenho GPS? Liga aí o teu GPS, o GPS da kombi pra ver se acha."
"A gente não tem GPS."
"Olha lá, hein? Eu sou velha, mas não sou burra" e, virando-se pro trocador, "Esse cara aí é metido a esperto, mas não me engana. Tá ouvindo, né?"
"Tô sim, senhora", disse o trocador.
"Não me chama de senhora não que eu não sou velha", pro trocador, "aliás, pra você eu posso até ser tia, mas", pro motorista, "pra você, eu sou irmã, devo ter quase a mesma idade. Vem me chamar de tia que eu te enfio o cacete."

Coitado, com certeza o motorista era mais novo que ela.

"Vou matar aquele safado!"
"De quem que a senhora tá falando, não é de mim não, né?", perguntou o motorista.
"Aquele safado que me trocou por aquela vagabunda. Ah, mas eu mato. Só tenho que descobrir onde o safado tá morando agora. É nessa rua, Lourenço da Veiga, na Ribeira, só sei que fica perto da praia."
"Tem um monte de praia a Ribeira."
"Mas eu vou achar o safado. Vocês estão duvidando? Vou chegar lá , tenho que comprar o porteiro, vou perguntar 'O safado tá em casa? Ele tá acompanhado?', se ele disser que sim eu lhe dou 10 reais e fico lá esperando o safado descer com a piranha."
"Mas por que vai matar o cara? Vocês terminaram mal?", perguntou o garoto - antes eu achava que era uma mulher - que sentava ao lado dela.
"Só vou terminar matando. Pensa que vou dar mole assim pra urubu? Tá amarrado. Vou matar bonito."

Um casal que sentava no banco atrás do dela saltou na Praça do Grego. A mulher não perdeu a chance:

"Olha o chifre!", disse, enquanto o cara saía. Quando a kombi passou por eles, o casal se beijava. A velha trepou no trocador e enfiou a cabeça pela janela: "Pega mesmo, beija gostoso!!!!" E voltando pra dentro: "Corajosa ela, de beijar um corno."

Todo mundo na kombi só rindo, eu inclusive. O garoto e ela trocavam sussurros escutáveis:

"Se quiser deixa esse cara pra lá e vai lá pro quiosque onde eu trabalho. Lá tem muito macho."
"Muito macho mermo? Olha que eu vou, hein? Nesses quiosques eu vejo só mulher..."
"Onde eu trabalho só tem homem."

O garoto saltou logo depois, na Praia da Bica. A mulher não deixou pra depois:

"Esse aí é gay. Tá vendo os trejeitos? Não tenho dúvida. Mas não pode ter preconceito não, menino, a vida tá aí pra gente viver como quiser, o importante é ser feliz, não importa como. Eu já peguei muito homem na minha vida, e vou te dizer, homem é muito bom. Eu, na minha época dos 20 anos, vivia pegando homem, não passava um que não me dirigisse o olhar."

Acredito. Passamos pelo Sunshine, um motel que fica no final da Praia da Bica.

"Esse Sunshine aí... Todo dia eu tava aí namorando, não me escapava um. Tem uma garagem subterrânea, o carro descia assim... Ih, eles fizeram reforma, não era assim não."
"Eles fecharam essa entrada, por cima. Agora, só dá pra entrar lá por baixo, pela praia", esse foi o trocador.
"Você já foi, motorista, aí no Sunshine?"
"Eu não, nunca fui."
"Ahhh, tá com vergonha de falar, né, mas foi sim, bonitão desse jeito..."

Passou um tempo calada.

"Ai, que calor, meu Deus do Céu, me abana, vai, menino, vou sentar na janela que é mais fresco, não posso chegar lá pra pegar meu macho de volta toda suada, toda feia, né? Tenho que ir assim, bonitona de nascença, cheirosinha... Mas, como eu ia dizendo, na época dos meus 20 anos peguei muito homem, principalmente fuzileiro... Esse aí é fuzileiro... Gosto muito de fuzileiro naval... Fuzileiro e da Aeronáutica... Ia praquela praia ali do Bananal, nossa, tem vinte anos que não vou à praia, e aqui da Ilha então, essas praias eram tão limpas, dava até pra namorar lá dentro da água, agora tudo virou esgoto. O Bananal já passou?"
"Já, sim, senhora."

Mentira. O Bananal é lá do outro lado, a kombi nem passa por lá pra ir pra Ribeira.

"Ia muito praquela praia do Bananal, sabe onde é? Ali do lado, onde tem aquela vaca. Vaca não, é onça. A onça em cima da pedra, a praia onde tem a onça em cima da pedra. Ali tem aquele batalhão do Exército [não é batalhão, é reserva da Marinha...], cansei de pegar aqueles oficiais musculosos ali... Ali é Exército ou Marinha?"
"Ali é Marinha", disse o motorista.
"Então, cansei de pegar fuzileiro ali, muito bom, muito bom. Aquele safado vai me pagar..."

Saltou o cara que estava do meu lado, com fone no ouvido, alheio às divagações da senhora, no batalhão da PM.

"Olha só, maior cara de bandido. Ninguém diz, né, mas esse aí é bandido. Eu conheço quando vejo um... Eu já te paguei?"
"Pagou não."
"Paguei sim, te dei 2 reais, não vem com essa conversa não... Só tenho 5 reais pra voltar pra casa, se eu te der o que tenho, como eu volto? A pé? Você não pode esquecer, hein? E eu, então, sou inesquecível, né verdade, motorista?"

O motorista nem retrucou. Melhor não contrariar. E ela não tinha que ter mais dinheiro pra subornar o porteiro do prédio do tal fuzileiro?
Estávamos perto do mangue.

"Onde tá a praia?"
"A praia tá aqui atrás, a gente tem que ver que rua é essa de que a senhora tá falando", o trocador se virou pra mim - só restávamos eu e ela de passageiras - e perguntou se eu sabia onde ficava essa rua, eu respondi que não. "Deve ser uma dessas ruas aqui perto da ACM, tem que ficar olhando as placas..."

Depois dessa começou o temporal e a mulher ficou reclamando que ia chegar lá pra matar o cara fedendo a cachorro molhado e, nisso, eu saltei na ACM. Com certeza deve ter falado uma gracinha a meu respeito. Ninguém merece...

Um comentário:

  1. hehehe vai ver malucos somos nós. hehehe qual seria o padrão de normalidade, afinal? rsrs

    aliás.... onde diabos fica Ribeira?? É no Rio? rsrsrs

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